Maria Clara M. Hagen

 

LITERATURA, LEITORES E ESCRITORES NA ANTIGA MESOPOTÂMIA

 

Quando se fala do assunto literatura no contexto da Mesopotâmia durante a Antiguidade, é possível formular o seguinte questionamento: existiria, realmente, algo que pudesse ser descrito como “literatura” nesta época e local? Ao se deparar com a tradução de textos milenares, como a Epopeia de Gilgamesh, o leitor moderno pode encontrar elementos aos quais não está acostumado. As múltiplas lacunas e os termos antigos de tradução desconhecida dificultam a leitura. A falta de métrica reconhecível e descrições simples, banais à primeira vista, afastam os poemas de tradições como a helênica, mais familiar.
 
Os escritos greco-romanos e hebraicos, apesar de sua antiguidade, não parecem causar tanto estranhamento. Isto provavelmente deve-se mais a uma concepção de que estas duas tradições teriam originado a “civilização ocidental”, e logo, seriam superiores, do que a uma pobreza real da literatura mesopotâmica (BOTTERÓ, 1992).
 
A resposta para o questionamento inicial, é que os povos do Antigo Oriente Próximo contavam, sim, com uma rica tradição literária. Seus textos artísticos eram claramente diferenciados daqueles administrativos ou comerciais por marcas de escrita formal (FOSTER, 2005, p. 13), e contavam com diversas características em comum com o que hoje reconhecemos como nossa própria literatura. A escrita aparentemente estéril, se examinada com cuidado, se revela mais complexa. Os autores sabiam enriquecer seus textos com outros recursos sutis, como jogos de palavras e de sonoridade. Em uma sociedade majoritariamente iletrada, onde a escrita era principalmente um aparato administrativo, o desenvolvimento de uma literatura para fins religiosos e educacionais, pode ser considerado como extraordinário (BLACK et al, 2014, p. 42).
As bases para aquilo que reconhecemos como literatura mesopotâmica se iniciaram com o povo sumério que, no IV milênio AEC, começou a inscrever pictogramas em argila para fins administrativos (BOTTERÓ, 1992).
 
Inicialmente, o cuneiforme foi usado para a escrita apenas da língua suméria. O sumério é um idioma isolado, ou seja, que não possui parentesco conhecido com nenhum outro, e aglutinativo, com formas verbais sendo formadas a partir da junção de múltiplas sílabas fixas (POZZER, 1998).
 
Posteriormente, outros povos começaram a adotar o cuneiforme para escrever em seus próprios idiomas, dentro e fora da Mesopotâmia. O acádio era o idioma que compartilhou o espaço geográfico do sumério, e acabou por substituí-lo. Um idioma semita, é relacionado ao árabe e hebraico modernos, e se dividia nos dialetos babilônico ao sul e assírio ao norte (POZZER, 1998).
 
Inseridos na cultura suméria, inicialmente os escribas falantes do acádio escreveram neste idioma, gerando uma tradição bilíngue que continuou até pouco antes de Cristo, muito após o fim do sumério como idioma vivo (BOTTERÓ, 1992). Mais do que saber escrever nas duas línguas, o bilinguismo significou a incorporação do sumério em meio ao acádio escrito, por meio dos sumerogramas: a palavra era escrita em sumério, mas lida em acádio. Finkel (2014) faz uma analogia moderna, que aqui adapto: quando lemos “R$” sabemos que se pronuncia “real”. O sumerograma era utilizado de maneira semelhante. A proximidade das duas tradições permite então que se fale em uma literatura verdadeiramente sumero-acádia, que abarca os dois povos (FOSTER, 2005).
Utilizando esta escrita, os povos da Mesopotâmia compuseram centenas de obras. Estas são atualmente agrupadas em diversos gêneros literários pelos estudiosos. Conhecemos hinos, canções dedicadas a divindades; poemas épicos e mitológicos que narram feitos de deuses e heróis; provérbios; debates, textos onde dois elementos, como Inverno e Verão, disputam sua superioridade; e até mesmo contos populares e humorísticos, como O Pobre de Nippur.
 
Estas classificações são úteis para o leitor moderno, mas os escritores da antiga Mesopotâmia contavam também com suas próprias noções de gênero literário. O final dos textos muitas vezes contava com um colofão, seção que identificava, entre outras informações, o escriba responsável pelo tablete, a fonte usada para a cópia, o título da obra (FINKEL, TAYLOR, 2015, p. 54) e, muitas vezes, sua classificação literária.
 
As obras eram geralmente categorizadas pela maneira que elas eram apresentadas: a literatura mesopotâmica era principalmente cantada e acompanhada de música em cerimônias reais e religiosas. Assim, o colofão podia incluir gêneros como šir-gida, (“música longa”), ou tigi (música acompanhada de um instrumento do mesmo nome), que não se conformam às classificações modernas (BLACK et al, 2004, p. 25).
 
Os povos da Mesopotâmia tinham consciência de sua própria tradição. Havia um grande esforço para se preservar os escritos antigos, com o exemplo máximo sendo a biblioteca de Nínive, arquitetada pelo rei Assurbanípal da Assíria, onde muitos dos textos estudados hoje foram encontrados. A própria literatura já era, possivelmente, baseada na preservação de uma tradição oral ainda mais antiga (AFANASIEVA, 1991, p. 135), possibilidade evidenciada pelas múltiplas marcas de oralidade nos poemas, como a repetição. O interesse pelas tradições se traduziu em uma tendência arcaizante na literatura, refletida tanto em um vocabulário poético (BLACK et al, 2004, p. 23), como também na produção de textos com sinais propositalmente antiquados (FINKEL, TAYLOR, 2015).
 
Ademais, os antigos não almejavam apenas preservar sua literatura, como comentar e interpretar estas obras, em geral a partir de uma perspectiva da divinação. Desta forma, pode-se dizer que os mesopotâmicos já praticavam a exegese à sua maneira (FINKEL, 2004).
 
Na introdução à obra The Literature of Ancient Sumer (2004), os autores listam as características que a literatura suméria possui em comum com a nossa. Os poemas sumérios eram de natureza fictícia, mas verossímil nos detalhes; possuíam estrutura e impacto emocional; possuíam intertextualidade e convenções próprias. As técnicas mais marcantes desta literatura são o uso da repetição e do paralelismo, recurso onde as repetições vão expandindo, contrastando, complementando ou especificando o verso. Os jogos de palavras eram uma prática comum pelos autores e, diferentemente de hoje, o trocadilho não era limitado a um contexto humorístico. Fórmulas e pares de palavras, metáforas e símiles criativas eram acrescentadas para enriquecer as composições (FOSTER, 2005).
 
Além destas composições de caráter artístico, filosófico e espiritual, os sumérios e acádios também nos legaram diversos textos técnicos, detalhando práticas da medicina, da divinação, da matemática, da astrologia e das leis, além de narrativas históricas.
Apesar de não contarem com um pensamento teórico-metodológico como o elaborado em nossos dias, Botteró (1992) classifica a intelectualidade mesopotâmica como verdadeiramente científica. Mesmo se a utilização deste termo para um povo tão antigo não for unânime, deve-se notar que os sumérios e acádios contavam com uma produção de conhecimento a partir da lógica, com o uso de dedução e indução, e uma busca por explicar a natureza a partir destes princípios.
 
Seus esforços para conhecer o que existia de visível e invisível ao seu redor geraram centenas de tabletes com interpretações dos mais diversos elementos da natureza para elaborar previsões, desde órgãos de animais até sonhos (BOTTERÓ, 1992), além de tratados médicos contendo diagnósticos, prognósticos e tratamentos para doenças e ferimentos.
 
Os responsáveis pela composição e transmissão destas obras eram os escribas. Estes profissionais eram essencialmente artesãos da escrita (CHARPIN, 2008, p. 66), que contavam com uma larga área de atuação equivalente a múltiplas profissões modernas: eles eram empregados na administração e no comércio, escreviam contratos, testamentos, obras literárias, cartas e todos os tipos de documentos (POZZER, 1998).
A profissão de escriba era principalmente hereditária (CHARPIN, 2008, p. 61), mas não exclusivamente, e filhos de outras profissões prestigiadas e abastadas podiam também exercer a função (KRAMER, 1963). Apesar da maioria dos escribas serem homens, esta profissão não era proibida para as mulheres, e existem diversos exemplos históricos e até literários de mulheres escritoras, assim como de sua produção (CHARPIN, 2008, p. 50). A própria Nisaba, deusa da escrita, era uma divindade feminina, e a filha de Sargão de Acádia, Enheduanna, é o primeiro indivíduo a compor poemas conhecido na História (FINKEL, TAYLOR, 2015, p. 32).
 
Para exercer a função de escriba, era necessária uma educação adequada. A escola de escribas era chamada de edubba, que significa literalmente “casa dos tabletes” (POZZER, 1998). Os estudos se estendiam desde a infância até o início da idade adulta (KRAMER, 1963). Os membros da escola seguiam uma classificação hierárquica baseada em termos familiares: o professor era o “pai da escola”, seu assistente, o “irmão mais velho” e os discípulos eram os “filhos da escola”.
 
A edubba, apesar de ter se originado anexada ao templo (LIVERANI, 2016), era secular e privada. Os mestres eram pagos pela família de seus alunos, o que limitava a obtenção da educação, possível apenas para aqueles de maiores recursos (KRAMER, 1963).
A falta de vestígios arqueológicos de prédios exclusivos para a educação pode indicar que as escolas operavam nas casas dos professores (CHARPIN, 2008, p. 73) e, de fato, na chamada casa F da escavação da cidade de Nibru, foram encontrados centenas de tabletes escolares, assim como uma caixa para a reciclagem da argila, que indicam se tratar de uma pequena escola (BLACK, 2004).
 
O ensino da escrita é tão antigo quanto sua invenção, e conhecem-se tabletes de exercício do III milênio que contém listas de palavras, indicando um método de aprendizagem por meio da repetição (CHARPIN, 2008). É no reinado de Šulgi, da III dinastia de Ur, porém, que se consolidou a edubba como instituição a partir de reformas educacionais efetuadas pelo rei, que trouxeram a homogeneização do ensino e da escrita (LIVERANI, 2016). Os currículos escolares, com suas listas de palavras, eram praticamente padronizados ao fim do período sumério (KRAMER, 1963, p. 233), e no período Antigo Babilônico, já existiam até mesmo ementas primitivas, com listas de textos e exercícios a serem utilizados nas aulas (CHARPIN, 2008, p. 83).
 
Escavações arqueológicas já encontraram uma grande quantidade de tabletes de prática e exercícios dos alunos, que podem ser identificados por seu formato lenticular (oval), diferentemente daqueles profissionais, de formato retangular. Ademais, principalmente a partir do período Antigo Babilônico, foram compostos diversos textos narrando o dia-a-dia dos estudantes e professores. A partir destes pode-se deduzir algumas características deste sistema educacional.
 
Os alunos tinham vinte e quatro dias de aula e seis de folga no mês, e passavam o dia nas escolas. Os aprendizes iniciavam seus estudos repetindo sinais cuneiformes: primeiramente, sinais únicos, passando depois para listas de sílabas, como as chamadas tu-ta-ti e nu-na-ni. Quando estas já haviam sido dominadas, os alunos começavam a copiar repertórios de palavras – listas agrupadas por tema, como nomes de objetos em madeira, roupas, ou alimentos – e listas com as múltiplas leituras de cada sinal cuneiforme. Por fim, havia a cópia de textos, começando com modelos de documentos jurídicos, comerciais e cartas e, finalmente, as obras literárias.
 
A educação não se limitava ao estudo da escrita e leitura. Para cumprirem todas suas funções, os escribas também aprendiam na edubba a matemática, os padrões de pesos e medidas, a música e o canto.
 
A disciplina nas escolas era dura. Os alunos deveriam se comunicar em sumério, mesmo após este idioma parar de ser utilizado (CHARPIN, 2008), e a punição corporal era amplamente empregada, como evidenciado por um texto intitulado pelo autor Samuel Noah Kramer como Dias de Escola. Nesta composição, o aluno fala aos seus criados:
 
“- Tenho sede, dá-me água para beber; tenho fome, dá-me pão para comer; lava-me os pés, faz-me a cama, que quero ir deitar-me. Acorda-me de manhã bem cedo, para eu não chegar atrasado, senão, o professor vai me bater com a vara.” (POZZER, 1998, p.70)
 
Infelizmente para o aluno, ele acaba por ser golpeado com a vara por seu professor e mais cinco monitores. O conflito nas escolas ocorria também entre os alunos, e uma composição suméria narra a discussão entre dois estudantes, Enkimansi e Girnišag, que insultam a capacidade do outro enquanto exaltam as suas próprias. Apesar de ser um texto literário, ele pode ser tomado como um exemplo de um comportamento competitivo que podia se desenvolver no contexto da edubba (KRAMER, 1963).
 
Ao final deste processo, possivelmente após uma composição final, como um trabalho de conclusão de curso primitivo (CHARPIN, 2008, p. 86), o escriba estava finalmente apto a prestar seus serviços como profissional. Mas resta a dúvida: quem leria seus textos?
 
Tradicionalmente, considerou-se que a sociedade mesopotâmica era majoritariamente iletrada, e que os leitores destes textos se resumiriam essencialmente a outros escribas e, raramente, sacerdotes e comerciantes (CHARPIN, 2010). Assim, a maioria dos indivíduos dependeria de escribas não apenas para compor contratos, cartas e outros documentos, como também para lê-los em voz alta.
 
Charpin (2008; 2010) afirma, porém, que apesar da população letrada ser uma minoria, ela era maior do que se poderia acreditar. Membros das elites como oficiais, administradores, generais e reis também poderiam aprender a ler e a escrever, mesmo que em um nível inferior ao dos escribas. Os assuntos, locais de descoberta e qualidade de textos encontrados indicariam que estes teriam sido escritos por indivíduos inexperientes, ao conterem diversos erros e tratarem de questões triviais.
 
Um exemplo é um tablete, atualmente exposto no Museu Britânico, que contém uma queixa de um comprador chamado Nanni para o comerciante Ea-Nāşir a respeito da baixa qualidade de cobre que o vendedor haveria entregado, além de sua falta de respeito com o comprador e seu mensageiro (OPPENHEIM, 1967, p. 82). A grande quantidade de metal negociado pelos dois indica que ambos comerciantes tinham sucesso em seus negócios, o que é consistente com a afirmação de que a escrita era difundida entre outros indivíduos abastados da Antiga Mesopotâmia, além dos escribas.
Charpin também argumenta que o aprendizado da escrita cuneiforme não se tratava de uma tarefa tão difícil quanto se imagina. Ao contrário dos estudiosos de nossos dias, que estudam mais de mil anos de sinais e variações na escrita, os povos antigos precisavam apenas conhecer os sinais que circulavam em sua época e local. Aqueles com um nível menor de conhecimento da escrita poderiam aprender, talvez, com suas famílias (FINKEL, TAYLOR, 2015, p. 33).
 
No período Babilônico Antigo, são encontradas mais casas contendo tabletes do que não os contendo. É provável que a alfabetização tenha atingido seu pico durante esta época e a anterior, durante a III Dinastia de Ur (VAN KOPPEN, 2011, p. 141).
 
A leitura por prazer provavelmente não era praticada na sociedade mesopotâmica (BLACK, 2004), com as obras literárias sendo primariamente apresentadas em forma do canto, e a sua forma escrita, absorvida apenas pelos escribas. Porém, o que evidências arqueológicas e textuais indicam, cada vez mais, é que a escrita era mais difundida na Mesopotâmia do que anteriormente se acreditava, e que seus leitores, também, eram mais diversos. Apesar de produzirem obras muito diferentes de nossa literatura contemporânea, os escritores antigos tinham muitas das mesmas preocupações, produzindo obras de valor artístico e cultural.
 
Referências
Maria Clara M. Hagen é graduada em História pela UFRGS e Mestranda em Assiriologia pela Universidade de Leiden.
Nota: Este texto foi baseado no trabalho de conclusão de curso enviado à banca para obtenção do diploma de Bacharel em História em janeiro de 2020.
 
AFANASIEVA, V.K. Sumerian Culture. In: DIAKONOFF, Igor Mikhailovich (org.) Early Antiquity. Chicago: The University of Chicago Press, 1991.
BLACK, Jeremy et al. The Literature of Ancient Sumer. Oxford: Oxford University Press, 2004.
BOTTERÓ, Jean. Mesopotamia: writing, reasoning and the Gods. Chicago: The University of Chicago, 1992.
CHARPIN, Dominique. Lire et écrire à Babylone. Paris: Presses Universitaires de France, 2008.
____________________. Writing, Law and Kingship in Old Babylonian Mesopotamia. Chicago: The University of Chicago Press, 2010.
FINKEL, Irving. TAYLOR, Jonathan. Cuneiform. Londres: The British Museum, 2015.
FOSTER, Benjamin. Before the Muses: An Anthology of Akkadian Literature. Bethesda: CDL Press, 2005.
KRAMER, Samuel Noah. The Sumerians: their history, culture and character. Chicago: The University of Chicago Press, 1963.
LIVERANI, Mario. Antigo Oriente: História, Sociedade e Economia. São Paulo: EDUSP, 2016.
OPPENHEIM, A. Leo. Letters from Mesopotamia. Chicago: The University of Chicago Press, 1967.
POZZER, Katia. Escritas e escribas: o cuneiforme no antigo Oriente Próximo. Classica, São Paulo, v. 11/12, n. 11/12, p. 61-80, 1998/1999.
VAN KOPPEN, Frans. The Scribe of the Flood Story and his Circle. In: RADNER, Karen; ROBSON, Eleanor (ed.). The Oxford Handbook of Cuneiform Culture.
Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 140-166.

16 comentários:

  1. Muito interessante sua proposta de trabalho, bem como as considerações apresentadas.
    Meu primeiro questionamento é o seguinte: considerando que na Mesopotâmia o comércio era uma atividade importante, pode-se dizer que o comércio tenha sido um fator que contribuiu para a difusão da leitura e da escrita no Oriente Próximo?
    Outra questão: em seus estudos encontrou similaridades das obras literárias mesopotâmicas nas obras “ocidentais” (greco-romanas e hebraicas)?
    Agradeço a atenção.
    Atenciosamente Sandiara Daíse Rosanelli

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    1. Olá Sandiara, muito obrigada pelo interesse!
      Sim, acredito que o comércio tenha sido um elemento importante para a difusão da leitura e escrita. O uso econômico da escrita é atestado desde seus estágios mais primitivos, e havia uma grande circulação de comerciantes no Antigo Oriente Próximo. Ademais, as transações eram comumente anotadas, com testemunhas e selos para garantir sua autenticidade. É muito rica a quantidade de informações econômicas que se consegue ter a partir destes textos.
      Sobre a similaridade com outras tradições, já foram encontradas diversas semelhanças. Elementos sumérios e acádios na Bíblia e outras obras são atestados, entre eles um dos mais notáveis sendo a narrativa do Dilúvio. Quanto à tradição helenística, este tema também foi estudado, em especial quanto aos épicos. Sobre isso, há o livro de Martin L. West, "The East Face of Helicon", que possui análises detalhadas de diversos poemas mesopotâmicos e gregos, notando várias de suas semelhanças.
      Att.
      Maria Clara M. Hagen

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  2. Parabéns pelo texto, Maria Clara!
    Minha pergunta volta-se à colocação do último parágrafo, em que utiliza a colocação de Black para atentar que a leitura por prazer provavelmente não era praticada na sociedade mesopotâmica. Ao longo do texto, no entanto, é mencionado que a literatura do período tinha outras funções além da preservação e da administração, e que muitas características que hoje atribuímos aos gêneros literários já eram consideradas naquela época. Assim sendo, relevando as recentes descobertas sobre a temática em questão, seria possível considerar que pelo menos entre os escribas - e talvez entre aqueles que também compartilhavam do privilégio do letramento - poderia se pensar num caráter mais "lúdico" desse ofício?

    Atenciosamente,
    Marcus da Silva Dorneles

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    1. Muito obrigada, Marcus!
      A maioria das pessoas só teria contato com estes textos literários a partir da performance, pois eles eram cantados em diversos contextos, como rituais. Isto pode ser atestado por marcas como "KI.MIN" ou "refrão". Poemas como os de amor ou satíricos poderiam ser cantados na corte para fins de entretenimento. Porém, realmente, havia obras que se imagina serem lidas apenas pelos próprios escribas, além das educativas. Um exemplo é o texto "Naram-Sin e as Hordas Inimigas", uma obra que narra um episódio atipicamente negativo deste rei e de Enmerkar, surpreendente pois na literatura são ambos muito respeitados. Imagina-se então que isto não seria lido para reis ou para a corte, e que provavelmente este texto só circularia em sua forma original entre os escribas!
      Att
      Maria Clara M. Hagen

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  3. Boa noite!
    Onde podemos encontrar resquícios
    dos escritos encontrados na antiga mesopotâmica?

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    1. Olá!
      Infelizmente, são poucos os textos mesopotâmicos traduzidos para o português. Obras antigas em geral são publicadas sozinhas ou em coletâneas, seja na forma cuneiforme para estudo ou traduzidas, em geral para o inglês, alemão ou francês. Muitos destes recursos podem ser encontrados também na Internet. A página CDLI (https://cdli.ucla.edu/) é um recurso bastante detalhado, com fotos dos tabletes cuneiformes e algumas traduções. Outros sites interessantes são o Archibab (http://www.archibab.fr/) e o ETCSL (http://etcsl.orinst.ox.ac.uk/) para obras sumérias.
      Espero que isto seja de alguma ajuda,
      Maria Clara M. Hagen

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  4. Respostas
    1. Boa noite, muito bom seu texto. Ao fazer a leitura percebe-se como os povos antigos mesmo sem recursos eram perfeccionistas em seus registros. Atualmente percebe-se que não se dá tanto valor a escrita, a leitura, tudo está sendo substituído pelas facilidades da tecnologia, porém de uma maneira muita supérflua. Como a história da literatura antiga pode nos ajudar a valorizar mais esse grande invento do passado e que hoje é pouco valorizado ( a escrita).

      Inês Valéria Antoczecen.

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  5. Parabéns pelo texto! Você escreveu que as mulheres não eram proibidas de aprender a escrita, acha que isso pode ter influência do fato ~da deusa da escrita ser uma figura feminina ou se tratava de uma sociedade onde as mulheres tinham mais liberdade?

    Att,
    Ana Paula Sanvido Lara

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    1. Olá Ana Paula, obrigada pelo comentário!
      A sociedade antiga mesopotâmica, apesar de patriarcal, dava mais espaço às mulheres do que outras conhecidas da Antiguidade. Registros econômicos e administrativos mostram como as mulheres da Assíria e Babilônia tinham propriedades, administravam bens e exerciam funções importantes. Certas classes de sacerdotisas, por exemplo, eram bastante ricas. Em registros dos palácios atesta-se diversas profissões exercidas por mulheres, desde as de menor pagamento, como carregadoras de água, até escribas e administradoras. Na ala feminina destes palácios, a administração era especialmente conduzida por mulheres.
      Assim, apesar de não ser uma sociedade igualitária, a presença de mulheres letradas é um dos indicadores que as mulheres podiam exercer papéis importantes além da esfera doméstica e familiar.
      Att
      Maria Clara M. Hagen

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  6. Excelente texto, parabéns!
    A temática abordada é bastante pertinente, dito isso: Há possibilidade de se fazer uma analogia didática da literatura mesopotâmica com a literatura ocidental, em espaço escolar?
    Att.,
    Maykon Albuquerque Lacerda

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    1. Olá Maykon, muito obrigada!
      Acredito que sim, porém, pela falta de traduções em português de vários textos importantes, provavelmente o material referente a isto terá que ser produzido pelo próprio professor. O artigo da profª. Drª. Katia Pozzer que referencio no texto seria um bom ponto de partida, pois traz muita informação sobre o desenvolvimento da escrita.
      Acredito que a Epopeia de Gilgamesh poderia ser uma obra interessante, tratando-se de um poema épico e por contar também a história do dilúvio, que muitos alunos irão reconhecer. Além disso, ela foi traduzida para o português recentemente por Jacyntho Lins Brandão.
      Att.,
      Maria Clara M. Hagen

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  7. Parabéns pelo texto, Maria Clara!
    O texto é bem reflexivo e extremamente pertinente. Em sua opinião, pode haver um dialogo sobre o feminismo a partir de seu recorte espacial?

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    1. Olá Ananda, muito obrigada.
      Sim, acredito que há um grande potencial para estudos sobre gênero e mulheres na área da literatura mesopotâmica! Recentemente foi publicado um livro sobre as autoras da antiga Mesopotâmia, "Women's Writing of Ancient Mesopotamia", de Saana Svard. Nele há a tradução de um provérbio babilônico: "Minha boca me torna igual a um homem". Ele está escrito em Emesal, um dialeto do Sumério que é tradicionalmente associado às mulheres. Este apenas é um exemplo de temas que podem ser abordados.
      Sobre as mulheres na Babilônia, posso citar o livro "Women of Babylon", da autora Zainab Bahran.
      Att,
      Maria Clara M. Hagen

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  8. Boa noite, muito bom seu texto. Ao fazer a leitura percebe-se como os povos antigos mesmo sem recursos eram perfeccionistas em seus registros. Atualmente percebe-se que não se dá tanto valor a escrita, a leitura, tudo está sendo substituído pelas facilidades da tecnologia, porém de uma maneira muita supérflua. Como a história da literatura antiga pode nos ajudar a valorizar mais esse grande invento do passado e que hoje é pouco valorizado ( a escrita).

    Inês Valéria Antoczecen.


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    1. Olá Inês,
      Muito obrigada pelos elogios, fico feliz que tenha gostado do texto!
      A escrita realmente é um grande presente que herdamos dos sumérios.
      Att
      Maria Clara M. Hagen

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